Viajar não é preciso!
Não se pode ir à São Petersburgo, a cidade não está lá. Não podemos correr o rico de desembarcar em um dia de sol e encontrar o Neva resplandescente de luz. Seria bem perigoso ter diante dos olhos a arquitetura concreta, o verde das praças e as roupas tão comuns.
As construções são vazias, são tangíveis e imponentes, trarão a beleza à alma como um raio e o belo de Petersburgo é o estranhamento de existir algo tão estranho. Então, estando lá é não estar. A cidade é, mas não a encontramos em si mesma. Mesmo que sussurrassem mil vozes do passado, de dentro dos palácios, mesmo assim, ainda não encontraríamos a São Petersburgo dentro de Petersburgo.
Digo, aos leitores e para eles. Penso que havendo névoa, manhãs acinzentadas, céu branco à noite, nada mudará. A cidade que foi desenhada à pena vive nas letras e somente nelas. A luz fraca e inebriante, o clima ácido, os sons, tudo está nas letras e a cidade, através delas, penetra na alma e faz um ninho taciturno.
Vivemos São Petersburgo por dentro, ela é interior. Não pode ser encontrada por aí, num local qualquer. Está dentro dos sonhos, naqueles mais densos e nos dias pouco felizes. É o lado sombrio do desejo, o impulso para o abismo, o encontro com o vazio. São Petersburgo é quase um sentimento sinistro, não se pode contrair tal sentimento em pé, frente a estátua de Pedro; ela – a estátua - se esvaneceria nas conjecturas outras que não o espelho da alma.
Para estar em São Petersburgo é preciso dar a mão ao matador de velhinha e contar os passos para a degradação. Contar os passos que levam ao fim trágico, à atmosfera torpe, às sombras sem definição. São Petersburgo se sente e, como todo sentimento, a visão a deturpa. Ver a cidade é deturpá-la com olhos impróprios.
Não vá. Para conhecer São Petersburgo é preciso nunca ter estado lá.